A ciência mostra que, mais do que uma prática de monges solitários, a meditação é uma aliada de gente comum que quer controlar os pensamentos e aumentar qualidades como concentração e produtividade
(FOTO: RUBENS LP)
Obrigado por trazer minha vida de volta.” A psicóloga Emma Seppala nunca ressuscitou ninguém, mas é isso que ela costumava ouvir logo depois de coordenar uma pesquisa na Universidade de Stanford sobre os efeitos da meditação em um grupo de veteranos de guerra com estresse pós-traumático.
Em um artigo publicado em setembro no Journal of Traumatic Stress, ela relata como os níveis de hipervigilância, ansiedade e todos os outros distúrbios do sargento Brody, da série Homeland, diminuem com a meditação.
Médicos indicam a atividade com frequência cada vez maior. Com persistência, dá para se tornar um buda depois de algumas vidas. Mas nem é preciso esperar tanto assim. Mesmo no curto prazo é possível conseguir resultados como “maior concentração e melhora do humor”, diz a neurologista Melissa Castello Branco.
A prática, que se tornou o foco da tradição budista há 2.600 anos, hoje já adquiriu outras formas. Depois da Segunda Guerra Mundial, era comum que americanos visitassem mestres zen, o que chamou a atenção dos membros da Geração Beat, que popularizou a filosofia budista nos anos 1960. Foi quando o estudo de religiões orientais se tornou comum nas universidades americanas.
Muitos deram uma visão mais pragmática à filosofia oriental, como o cardiologista Herbert Benson, da Universidade Harvard, um dos primeiros a estudar a prática ainda na década de 1960. A partir daí, a porteira das pesquisas sobre o assunto se abriu com o apoio do líder da tradição budista tibetana, o Dalai Lama.
Em 2003, Sua Santidade participou de uma conferência no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (M.I.T) e emprestou seu nome ao Dalai Lama Center for Ethics and Transformative Values, da mesma universidade. A quem ainda relaciona meditação com a figura de um monge isolado em uma montanha, sugerimos atenção redobrada nas próximas páginas.
Filosofia: Budismo Overdrive
Em 1951, as universidades Princeton e Dartmouth protagonizaram uma emocionante final da liga universitária de futebol americano. Em uma partida sanguinária, Princeton acabou levando a melhor. Depois do jogo, os psicólogos Albert Hastorf e Hadley Cantril, de Princeton, notaram que os jornais das faculdades contavam histórias diferentes sobre o ocorrido, com versões convenientes a ambos.
Cientes dos perigos de se confiar na memória, eles exibiram então uma gravação da partida aos alunos. E, mais uma vez, cada um relatou visões distintas. O que os psicólogos concluíram é o que qualquer brasileiro que viu a alegria dos alemães depois do 7x1 sabe: cada aluno assistiu a um jogo diferente, apesar de ele ter sido o mesmo. Ou seja, o cérebro faz com que a realidade seja tão confiável quanto um arquivo .exe. Segundo a tradição tibetana, o príncipe indiano Sidarta Gautama descobriu isso, no século 6 a.C., quando, ao meditar durante anos, concluiu que a origem do sofrimento vinha da falsa percepção que temos da realidade.
Foi assim que Sidarta tornou-se Buda — que em sânscrito quer dizer “o desperto” ou “o iluminado”. Segundo o budismo, qualquer pessoa que consiga sair do Facebook, seguir os ensinamentos e meditar o suficiente consegue se transformar em um buda. Mas os benefícios aparecem muito antes. Não é à toa que, segundo pesquisadores da Universidade de Wisconsin, o homem mais feliz do mundo é o monge francês Matthieu Ricard, um doutor em genética molecular que decidiu se dedicar à filosofia tibetana. Os cientistas constataram que, ao meditar, o monge alcançou níveis de atenção nunca registrados antes, o que faz com que ele tenha uma capacidade superior de se sentir feliz.
Com sede em mais de 40 países, a Nova Tradição Kadampa, uma apresentação moderna do budismo, mostra que é possível explorar o cérebro sem se mudar para o Himalaia. Para o monge Gen Kelsang Togden, diretor desta tradição para a América Latina, o volume de estímulos das novas tecnologias é o gatilho de vários distúrbios.
“Quando a pessoa resolve meditar, ela se dá conta de que a mente é como um macaco louco”, explica. “Claro que a pessoa vai se frustrar na primeira tentativa e desiste exatamente por causa do problema que está tentando resolver.” Para ele, se familiarizar com a meditação até torná-la um hábito é a forma mais eficaz de acalmar o primata hiperativo interior.
“Qualquer coisa que você nunca tenha feito antes vai parecer estranha no começo — a meditação, talvez, ainda mais, porque faz com que a pessoa olhe para dentro de si”, diz o monge. “Sem disciplina e persistência, não se aprende nem a jogar futebol.”
Criatividade: Cérebro selvagem
Depois de assistir a filmes como Veludo Azul e Coração Selvagem ou à série Twin Peaks, não dá para negar que o cineasta David Lynch é um cara criativo. O diretor afirma que a meditação transcendental é a responsável por fazê-lo acessar as ideias mais escondidas do cérebro.
A técnica difere do budismo por não ter ligação com nenhuma religião ou filosofia. Assim como na meditação da atenção plena (ou mindfullness), o praticante se concentra em um ponto — um mantra ou um objeto, por exemplo — para melhorar a atenção. No livro Em Águas Profundas (Ed. Gryphus), Lynch escreveu: “Se você quer pegar um peixinho, pode ficar em águas rasas.
Mas se quer um peixe grande, terá que entrar em águas profundas”, referindo-se aos vários níveis de pensamento. A distúrbios como a depressão e a raiva, o cineasta dá o criativo nome de Traje de Borracha de Palhaço da Negatividade. “Ele é sufocante. Mas logo que você começa a meditar e a mergulhar mais profundo, ele se dissolve. E, quando se dissolve por completo, você obtém a liberdade.”
Corpo são: Alforria para o Cérebro
Desde 2011, o Centro de Saúde Geraldo de Paula Souza, da Faculdade de Saúde Pública da USP, vem implantando um programa de redução de estresse baseado na meditação da atenção plena, aos moldes do que foi criado na Universidade de Massachusetts, em 1979. “As pessoas não vivem o presente, são escravas do pensamento compulsivo, sempre pensando no que vão fazer a seguir.
Isso cria um estado de alerta constante, que origina o estresse e, consequentemente, doenças como a hipertensão”, diz o psicanalista Rubens de Aguiar Maciel, coordenador da clínica. “Com apenas uma semana de meditação já é possível encontrar pequenos benefícios.
As relações interpessoais melhoram, o que resulta em um efeito cascata”, explica. Também foi pensando na saúde que, em novembro, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, anunciou a criação do Ministério da Yoga, para promover a prática que mistura exercícios físicos com a meditação.
Vale do Silêncio: Meditação S.A.
Existe uma razão para os funcionários de empresas como o Facebook e o Twitter passarem parte de seus dias em posição de lótus. E não é porque o Vale do Silício é um recanto de ex-hippies saudosos.
“A meditação é como um exercício. Se você medita, vai ganhando aptidão mental e emocional. Com isso, todos os aspectos da sua vida melhoram, incluindo saúde, felicidade e produtividade. É por isso que ela é importante para as empresas”, explica a GALILEU o engenheiro Chade-Meng Tan, autor do livro Busque Dentro de Você (Editora Novas Ideias).
Funcionário número 107 do Google, onde trabalha desde 2000, Meng já ajudou mais de mil colegas a encontrar o caminho da felicidade, através de exercícios mentais e de respiração, baseados no budismo. Em um artigo, o biógrafo de Steve Jobs, Walter Isaacson, comentou a influência dessa filosofia na vida do empresário. “O foco foi uma característica arraigada na personalidade de Jobs, e foi aperfeiçoado com seu treinamento zen. Ele filtrava incansavelmente o que considerava ser uma distração.”
Isso refletia, inclusive, no design simples dos seus produtos — e, talvez, até na predileção pela recorrente camisa preta de gola alta que usou durante anos. Em uma prática que prega o bem, é irônico pensar que, em um ambiente competitivo como o do trabalho, os benefícios da meditação possam ser usados para conseguir vantagens em cima dos colegas. Para Meng, isso é possível. “Na tradição que eu venho [budista], temos uma palavra para isso: miccha samadhi, que significa ‘concentração errada’”, explica. Segundo o engenheiro, isso acontece quando o treino da meditação não é feito de forma correta.
Por isso, é importante aprender com pessoas que estejam preocupadas em transmitir os valores da compaixão e da sabedoria, tornando a prática completa. Mas nem todos pensam assim. Em uma entrevista à Bloomberg, o autor do livro Evolving Dharma: Meditation, Buddhism, and the Next Generation of Enlightenment (sem tradução no Brasil), Jay Michaelson afirma que samurais e pilotos kamikaze meditavam para melhorar suas capacidades homicidas. De qualquer forma, não há dúvidas de que o ambiente no trabalho fica mais acolhedor quando ninguém corre o risco de ser degolado com uma espada
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DINASTIA MENG: O GURU INFORMAL DO GOOGLE, CHADE-MENG TAN, JÁ LEVOU A PAZ A MAIS DE MIL FUNCIONÁRIOS DA EMPRESA (FOTO: PETER DASILVA/ THE NEW YORK TIMES)
Focagem no Trabalho
Chade-Meng, o guru da meditação do Google, dá duas dicas simples para aumentar a concentração no expediente
1. “Descanse a mente por pequenos períodos de tempo. Por exemplo, quando estiver indo ao banheiro ou esperando algum programa abrir no computador, volte sua atenção para a respiração, que seja um suspiro apenas. Faça isso várias vezes ao longo do dia.”
- “Pratique a gentileza. A cada hora, durante dez segundos, escolha duas pessoas e pense consigo mesmo: ‘Eu desejo que essa pessoa seja feliz, e desejo que essa outra pessoa também seja feliz’. Assim, você desenvolve o hábito mental da gentileza. Isso é ótimo para gestores.”
Paz no Inferno: Prision (Mental) Break
Se muitos acham “difícil” meditar com as distrações do cotidiano, qual seria a palavra para definir um programa de meditação de dez dias, em uma prisão de segurança máxima? Foi o que aconteceu no Alabama, em 1999, como mostra o documentário The Dhamma Brothers, disponível no Netflix. Dando o spoiler, o diretor do prisídio, Ron Cavanaugh, afirmou ao The New York Times: “Os prisioneiros se tornaram aptos a controlar a raiva.”
Como afirma a bióloga do Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein, Elisa Kozasa: “Quem medita com regularidade tende a evitar respostas impulsivas.” Apesar do treinamento na cadeia ter sido interrompido por membros da igreja que temiam que os internos estivessem “se tornando budistas”, o programa da psicoterapeuta Jenny Phillips continuou anos depois, mostrando que até mentes no corredor da morte podem encontrar paz interior.
A psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association do Brasil (ISMA-BR), lista os benefícios da meditação no corpo, além da concentração apurada:
5 PASSOS PARA O PARAÍSO
Meditar pode não ser tão fácil, mas é mais simples do que se pensa. Veja cinco passos fáceis para se iniciar na técnica da meditação da atenção plena, ou mindfullness